Resenha * sem spoilers * de “Filhos do Éden”, de Eduardo Spohr

Filhos_Eden

FILHOS DO ÉDEN

Acredito que muitos leitores saibam do apreço que tenho por Spohr. Nos conhecemos através da gravação de um podcast que curiosamente nunca foi ao ar. Naquela época, Spohr já havia demonstrado que muito de seu sucesso se apoiava em duas vertentes: talento e carisma.

A primeira vinha do nerd contador de histórias, amantes de filmes oitentistas e RPGs importados. Normalmente, ele seria o tipo de geek prestes a sofrer bullying na escola ao mencionar suas coleções de action figures, mas como se tornou um grandalhão tatuado, eu duvido que tenham mexido tanto assim com ele por aí.

Seu carisma também se pauta em dois pontos: caráter e educação. Spohr se trata de um ser humano de princípios inabaláveis; aquele tipo de sujeito que você não conseguiria subornar na alfândega, aquele motorista de táxi que mesmo transportando um gringo que mal sabe português faria o caminho correto e mais rápido até o hotel solicitado.

Além disso, ele tem a cara do Jacob do Lost. Como poderia um nerd legítimo não ter carisma assim?

Já seu talento de contador de histórias se desenvolveu através de uma coragem de correr riscos, de tentar e errar e errar até o acerto, em uma humildade de ouvir os mais próximos e em uma disciplina inabalável, aliada a uma organização peculiar.

Essas características aliadas ao fenômeno Jovem Nerd produziram uma bomba atômica na cultura pop brasileira e o arrebatador “A Batalha do Apocalipse” saiu de um nicho onde já era um sucesso para se consagrar de vez por todo o país. Ainda assim, por mais espetacular que tenha se dado essa repercussão, o que se viu foi um Spohr ainda humilde, atencioso e simpático com os fãs, e dotado de uma consciência que autores três vezes mais velhos nunca adquiriram.

Foi assim que o país ganhou uma nova estrela em sua literatura contemporânea.

spohr draccon

***

Hoje Spohr vive um cenário bem diferente. As pessoas agora o conhecem, seu próximo livro não será um azarão do mercado editorial, será uma grande aposta. Haverá a comparação com o sucesso anterior e a cobrança por um padrão de qualidade agora já estabelecido. Acreditem, isso tudo mexe com a cabeça de um autor. E seguir em frente ainda assim, e fazer bem o seu trabalho ainda assim, é o que separa os homens das crianças no mercado editorial profissional.

Recebi o original do próprio Eduardo como presente de aniversário no dia 15 de junho de 2011 e desde então o tenho levado para ler principalmente durante viagens em eventos. Em algumas delas, ao comentar que carregava tal documento durante a viagem, escutei mais de uma vez ameaças de… ãhn… extravio de minha bagagem por parte de alguns leitores mais afoitos, que dividem o gosto por nossas literaturas.

Recentemente sei que Eduardo também postou um guia de leitura, que no momento em que escrevo esse post ainda não li, até para não influenciar minhas impressões. Talvez você encontre coisas aqui que se repitam por lá, e, se assim o for, provavelmente será um indicativo de que eu e Eduardo estamos provavelmente certos ou inteiramente equivocados.

Não importa, em pouco tempo cada um de vocês poderá tirar suas próprias impressões.

SINOPSE

Há uma guerra no céu. O confronto civil entre o arcanjo Miguel e as tropas revolucionárias de seu irmão, Gabriel, devasta as sete camadas do paraíso. Com as legiões divididas, as fortalezas sitiadas, os generais estabeleceram um armistício na terra, uma trégua frágil e delicada, que pode desmoronar a qualquer instante.

Enquanto os querubins se enfrentam num embate de sangue e espadas, dois anjos são enviados ao mundo físico com a tarefa de resgatar Kaira, uma capitã dos exércitos rebeldes, desaparecida enquanto investigava uma suposta violação do tratado. A missão revelará as tramas de uma conspiração milenar, um plano que, se concluído, reverterá o equilíbrio de forças no céu e ameaçará toda vida humana na terra.

Ao lado de Denyel, um ex-espião em busca de anistia, os celestiais partirão em uma jornada através de cidades, selvas e mares, enfrentarão demônios e deuses, numa trilha que os levará às ruínas da maior nação terrena anterior ao dilúvio – o reino perdido de Atlântida.

É, MAS NÃO É A BATALHA DO APOCALIPSE…

Filhos de Éden se passa no mesmo cenário de ABdA, mas não possui a mesma pretensão. Essas diferenças não se baseiam apenas em grandeza de ações e consequências, mas também em seus personagens.

Kaira e Denyel não são Ablon e Shamira. Em ABdA, Spohr nos apresentou o casal que aprendemos como leitores a torcer ao longo de séculos.  E também que estabeleceu um padrão de comparação inevitável, mas compreensível.

Batalhas de anjos e cenas de ação cinematográficas estão lá, mas em uma amplitude menor. Não muito menor, apenas o suficiente para a nova proposta.

Em ABdA tudo é gigantesco. Toda ação afeta milhões de espíritos no plano físico e espiritual. E mesmo a trama se passa de maneira planetária.

Em Filhos do Éden, a ação é muito mais restrita e regional, aproximando-se mais da literatura de André Vianco, por exemplo, no sentido de pegar figuras mitológicas universais (no caso, anjos) e aproximá-los da nossa realidade brasileira, em interações com realidades nacionais.

UMA QUESTÃO DE ESTILO

Spohr costuma bater em uma tecla de que alguns autores como eu e Caldela seríamos escritores por essência, enquanto ele seria um contador de história que teve de aprender como colocar no papel ideias que povoavam sua cabeça. É curioso pensar em sua escrita dessa forma.

De fato, Spohr não tem frases ou características de construções dessas frases que lhe caracterizem unicamente. Mas seu talento como contador de histórias fez com que padronizasse em sua escrita determinados elementos que passam a ser esperados em seus romances, caracterizando de uma forma ou outra um estilo.

Uma dessas características geradas nesses anos de tentativa e lapidação foi o descritivo. Seus cenários são bem detalhados e os ambientes bem explicados. O detalhamento dos conceitos espirituais em seus livros passa a mesma impressão de se assistir a um episódio de CSI: mesmo que você não se lembre de nada após fechar a página, você terá uma boa sensação de quem se sentiu aprendendo alguma coisa. E, logo, não perdeu seu tempo.

Muito do que é descrito em Filhos do Éden, inclusive, já o foi em ABdA, mas, por não se tratar diretamente de uma continuação, essa repetição é justificável já que um leitor pode acabar sendo introduzido no universo por esse livro inicialmente.

Outra característica dos personagens do autor é algo que poderíamos chamar de “Michael Bay às avessas”. Nos filmes de Bay, os personagens vivem momentos de ações e tensão estilo montanha-russa, impedindo que os personagens tenham paradas para envolvimentos românticos tradicionais. As interações de casais nos filmes do diretor se passam à distância, principalmente por telefones celulares ou rádios de pilotos prestes ao sacrifício.

Anjo dourado

No estilo desenvolvido por Spohr isso também acontece, mas com os personagens próximos. Ablon e Shamira permanecem unidos ao longo do Tempo, mas, ao mesmo tempo, afetivamente como homem e mulher são distantes. Kaira e Denyel possuem relação parecida.

No caso de Bay, é uma mera opção de gosto duvidoso. No caso de Spohr, faz parte da relação tênue e espiritual entre as raças humana e angélica, que precisam equilibrar conceitos como transcendência e desejo carnal.

UM LIVRO SOBRE… COMIDA

Outra característica de Spohr é mexer com os sentidos.

Aqui em especial ele descreve melhor uma característica dos anjos mais próximos da orbe terrestre: o da necessidade de comida mundana para ajudar a manutenção do corpo físico.

A princípio você pode achar que isso se trata de um mero detalhe inserido na trama, mas se resolver ler o romance irá descobrir que na verdade o efeito final vai um pouco além.

A questão é que ler Filhos do Éden dá fome!

hamburguer

Você pode não levar isso a sério agora, mas quando acompanhar personagens comendo salgadinhos, batata frita, doces e até McDonald’s o tempo inteiro, eu quero ver o que irá dizer depois.

Mas lembre-se: anjos não engordam.

Você sim.

AND… ACTION!

E claro, há outra e talvez mais singular característica do estilo desenvolvido pelo autor: as batalhas influenciadas por animes e filmes de ação. E elas estão lá, às vezes parecendo um filme de John Woo, outras um filme dos Wachowski, outras, um anime de Kuromada.

Resumindo: Filhos do Éden é tudo o que se espera de Eduardo Spohr, apenas em uma escala menor. Abrir o livro tendo consciência disso pode ser a diferença entre um leitor de ABdA ter uma total ou parcial diversão.

De qualquer maneira, a melhor constatação é a de que o autor ainda possui uma propriedade sobre anjos que nenhum outro, em nenhum lugar do mundo, possui igual.

Alguns leitores diriam que isso se trata de uma grande sorte nossa.

Eu sou de uma opinião mais próxima a de conceitos angelicais: acredito em merecimento.

Que bom que nós brasileiros fizemos por merecer um autor como Eduardo Spohr.

abda

Comentários

5 respostas to “Resenha * sem spoilers * de “Filhos do Éden”, de Eduardo Spohr”

  1. Lodir Negrini on agosto 26th, 2011 6:52 pm

    A resenha está bem legal, você conseguiu descrever bem como é a sensação de ler o livro, mas poderia ter falado um pouco menos sobre o autor e a amizade que vocês tem… Deu a impressão que isso influenciou a leitura em sí.

    Mas enfim…

    @RD – É uma “resenha sem spoiler”, prefiro evitar revelar coisas demais de uma história que o pessoal ainda não leu, focando mais nesses pontos. Além disso, eu li o original cru, e alguns detalhes estão diferentes na evrsão final. Logo, é mais um guia de leitura e do que se pode esperar. E claro que isso influenciou, mas não no fato de ser tendencioso, mas sim de conhecer o que se espera de Spohr hoje. Você depois com certeza fará outra excelente resenha lá no Subtitulo =)

  2. Roberta on agosto 26th, 2011 7:01 pm

    Nossa, agora deu mais curiosidade para ler… o meu já chegou ontem, mas tenho um certo Círculos de Chuva na frente!! /o\

  3. Juão Lucas on agosto 26th, 2011 9:45 pm

    -
    Raphael Draccon, Eduardo Spohr, Leonel Caldela, André Vianco.
    Com certeza, merecem lugar na história contemporânea. (y

  4. Carolina on agosto 26th, 2011 11:03 pm

    Quando leio um livro, acredito que ele carregue um pouco da essência de quem o escreve. E, por isso, gosto muito de saber um pouco do autor dos livros que leio.

    Quando você conta sobre a pessoa que o Spohr é e sobre seu estilo de escrita, sinto uma vontade a mais de pegar e abrir o livro de uma vez. Me vem a seguinte sensação: “como o universo dele irá me tocar? o que posso aprender?”.

    Uma resenha assim me faz sentir dentro de mim: “Eu quero ler!”.

  5. Nath on janeiro 11th, 2012 3:33 pm

    Raphael, vc e a minha mãe foram os responsáveis por me convencerem a ler ABdA. Obrigada. A propósito, Eu já li a trilogia Dragões de Eter e estou louca para ler Espiritos de Gelo.

    Neste momento, estou com um exemplar de Filhos do Eden do meu lado, já li até a metade e estou adorando. E realmente esse livro dá fome!

Escreva uma resposta