A revolução digital pode até parecer, para alguns, uma espécie de ameaça para o livro físico. Mas não é preciso pensar muito para se chegar à conclusão-clichê de que – assim como o cinema não acabou com o teatro, a TV não eliminou o rádio e Gates não apagou Graham Bell – o e-book não acabará com o livro de papel.
É claro que crianças e adolescentes, principalmente, gostam de brincar e interagir com os recursos das novas plataformas, mas na maratona da literatura o livro físico ainda é campeão. No negócio do livro, o formato digital representa apenas pequena fração das vendas no Brasil. E, mesmo que lá fora já se comercialize o digital em proporções representativamente maiores, a tendência mundial é aumentar esse mercado de vendas (o digital) sem que se reduza a comercialização do livro convencional.
Num mundo vasto de entretenimento como este que o mercado cibernético oferece, o lugar para a literatura permanece resguardado. O que mudou em todo esse cenário foi o próprio mercado da comunicação em si, com acréscimo de possibilidades na forma de se fazer e divulgar literatura. Especialmente em relação à possibilidade da confluência de mídias. Sim, a interação das mais diversas linguagens permite, por exemplo, que games e personagens das trilogias cinematográficas ganhem correspondentes na literatura, numa engrenagem cíclica. E, nesse desencadeamento, novos nichos e possibilidades encontram terreno na Literatura Brasileira. É o caso, especialmente, do realismo fantástico – nicho em que vêm se destacando alguns dos novos autores nacionais.
Novos autores brasileiros e o realismo fantástico
O próprio cenário digital em expansão é favorável a novas safras de escritores, no ritmo anunciado pelas novas tendências. E o momento plural de personagens embalados pelo approach do fantástico, sem dúvida, parece reforçar um nicho de realismo fantasioso, para o qual há suportes de mídia variados, desenvolvidos no ambiente cibernético contemporâneo, em que linguagens e suportes convivem e se intercomplementam.
A escritora Andréa del Fuego – que recebeu o Prêmio Saramago 2011 por seu romance “Os Malaquias” – é um exemplo dentre os novos autores nacionais que transitam com desenvoltura pelo terreno narrativo situado na divisória entre realidade e imaginação. Andréa diz que – no avançar de sua carreira (publicou por uma grande editora somente depois de nove anos depois da primeira publicação) – acredita haver tido sorte em certo momento, referindo-se especialmente ao fato de “ser recebida com esses elementos mágicos quando isso já teria sido superado”. A autora narra ainda: “Comecei com contos eróticos, mas já eram tortos (…) já havia elementos mágicos que foram tomando a situação aos poucos. O fantástico está cada vez mais na minha escrita, não vejo por que desviar esse impulso”.
Por sua vez, a autora Carolina Munhóz ressalta a literatura fantástica como gênero de destaque mundial, com ênfase na progressão no Brasil. Publicando, primeiro, “O inverno das fadas”, seguido de “A Fada”, e agora “Feérica”, ela manifesta que fica feliz por contribuir com o gênero no país.
Estratégias
Carolina Munhóz conta que – na sua busca literária – uniu jornalismo e literatura: “Quando tinha apenas um exemplar de capa dura feito por editora independente, mandei pautas para jornalistas de todos os veículos possíveis de mídia. Além disso, mandei releases para todas as feiras literárias, escolas da minha região e eventos de anime. Após muita insistência comecei a obter respostas. Chegou um momento em que eu não estava na livraria, mas já tinha saído na Folha de São Paulo, Estadão, Disney Channel e Revista Época. Juntei essa clipagem e apresentei junto à minha obra. Isso fez com que uma editora maior se interessasse”.
Visão de editores
E foi na seara do fantástico que, recentemente, alguns nomes atuais de destaque em cenário literário nacional se institucionalizaram como autores de obras de grande alcance. É o caso de Raphael Draccon – escritor de sucesso de realismo fantástico no Brasil – que definitivamente se consagrou no mercado com a trilogia literária ‘Dragões do Éter”. Tanto que o autor passou a cumular também a missão de editor; hoje ele coordena o selo editorial Fantasy – Casa da Palavra.
Draccon fala sobre essa nova geração de escritores no país, destacando nomes como Carolina Munhóz – vencedora do Prêmio Jovem Brasileiro; André Vianco, que ganhou prêmios de reconhecimento em Osasco, sua cidade; e Eduardo Spohr, que será premiado em Portugal. Mas o maior prêmio dentre esses novos representantes da literatura no país, destaca Raphael Draccon, é a formação de leitores e a confiança destes em autores nacionais. Ele salienta: “Havia um preconceito com o autor nacional, que está sendo quebrado dia após dia”.
O Yahoo consultou a respeito a editora Lourdes Magalhães – Presidente da Primavera Editorial -, que, ao abordar o tema, introduziu a questão definidora do prazer de ler, destacando que “é o gosto pela leitura que faz o leitor”. A publisher enfatizou a importância desse gosto do público infanto-juvenil pelo livro, sobretudo numa época em que sedutores apelos tecnológicos e audiovisuais estão por toda parte. Ela detalha: “É muito comum dizer que os jovens de hoje não gostam de ler, por conta de jogos eletrônicos, Internet etc. No entanto, livros como os da série “Harry Potter”, “Senhor dos Anéis” e “Crepúsculo” venderam milhões. Para mim, todo tipo de literatura é o caminho para formar um país de leitores. Discordo, por exemplo, que a Internet seja inimiga da leitura. Acho que os adolescentes estão lendo cada vez mais e que a Internet ajuda muito nisso, já que eles precisam ler e escrever para se comunicarem”.
Sobre o realismo fantástico, propriamente, Lourdes Magalhães diz que não há como negar o fenômeno no Brasil e no mundo. E complementa: “O mais interessante é que a consagração e reconhecimento do gênero é no âmbito dos leitores e não nas listas dos cadernos literários, das análises literárias e das leituras dos críticos nacionais. Cabe ressaltar, ainda, que os autores brasileiros de obras fantásticas não são cópias de autores estrangeiros”.
A editora não fecha o leque e lembra que há, dentre os ditos novos autores, bons escritores de histórias não-fantásticas.
O caminho da autopublicação / Impresso ou on-line?
Lourdes Magalhães possui experiência de 20 anos como consultora. Vivencia o mercado – nacional e internacional – do livro e participa das principais feiras mundiais do setor. Tendo atuado, anteriormente, em várias outras editoras de renome, possui todo o abalizamento para abordar o tema. E ela fala sobre os caminhos tomados por autores brasileiros contemporâneos frente a novas possibilidades e ferramentas. De acordo com a publisher – com a democratização da tecnologia e o aumento significativo de empresas que oferecem (mesmo de forma insipiente) serviços de autopublicação -, há realmente novos escritores optando pelo sistema. Mas ela lembra que uma publicação profissional (com critérios de projeto gráfico adequado, miolo e preparação de texto adequados) e posterior divulgação apropriadas – qualidade e respaldo – são de fundamental importância para o sucesso de uma obra.
Quanto ao fato de serem impressos ou digitais os livros desses novos autores, a editora destaca que o e-book, por exemplo, ainda não é prática efetiva entre os novos nomes. Provavelmente até porque tal mercado especifico pressupõe tecnologias, custos e critérios próprios, para desenvolvimento do produto / sistema. Ela detalha: “Cada leitor de e-book (lojas de e-books e equipamentos) exige um formato para o e-book, portanto, o escritor ainda depende de um “editor” para a publicação”.
Indagado sobre a questão, o autor e editor Raphael Draccon também explicou que o mercado de e-book nesse enfoque ainda é muito pequeno, até mesmo em relação a nomes brasileiros conhecidos da literatura.
Draccon destaca um grande problema na autopublicação: a dificuldade de distribuição. Ele explica: “Não é fácil colocar seu livro em uma grande rede de livrarias”.
O poder do networking
Lourdes Magalhães é realista ao esclarecer que, geralmente, as editoras direcionam seus investimentos para obras com resultados ditos mais garantidos, tais como best-sellers estrangeiros ou autores nacionais já publicados / consagrados. Mas o objetivo-mor de uma publicação por grande editora (com extensa rede de distribuição) passa pelo caminho do networking. A consultora diz: “Quanto à maneira de publicar livros impressos por uma editora, é a mais convencional possível: rede de contatos. O que muda é que hoje em dia o contato não precisa ser feito como antes, pessoal e formalmente, mas é possível utilizar muitas formas existentes”.
Diante do vasto leque de possibilidades das novas ferramentas tecnológicas e seus nichos de ação, a publisher sugere: “Um recurso de que muitos escritores se utilizam é a prerrogativa das redes on-line de literatura, como a Movellas, que atrai grande público adolescente, e a Book Country, da editora Penguin, a qual já vem recebendo reações instantâneas – e podem alterar textos de imediato e oferecê-los ao público para leitura”.
Mas Lourdes Magalhães elucida bem essas possibilidades: “Para mim, essas são ferramentas válidas para o escritor apresentar seu estilo, opiniões, textos, e não criar a literatura que fará a diferença para o leitor”.
Ferramentas cibernéticas e redes sociais no processo de captação
A presidente da Primavera Editorial, no entanto, acredita que não se pode descartar nenhum canal existente na hora de se produzir, promover ou veicular literatura. E garante que, no caso da editora que preside, está atenta a todos esses canais, como “lançamentos de livros estrangeiros (no acompanhamento de vários veículos específicos do mercado editorial e publicações para leitores); eventos de importantes livrarias; resultados de renomados prêmios; contato dos próprios autores; indicação de bons leitores; e, sem dúvida nenhuma, as redes sociais”. Mostrando a efetiva participação das redes sociais nesse processo de captação de obras, a publisher cita dois casos de contatos de novos autores que chegaram até ela, resultando ambos em publicações da editora: um por meio da rede profissional on-line LinkedIn e outro pelo Facebook.
Construindo marca
Lourdes Magalhães também sugere aos autores que entrem nos “clubes de livros on-line”, como o Skoob. Para ela, o escritor deve conviver no ambiente cibernético “sugerindo o livro na forma degustação”. Ela fala mais a respeito: “O feedback desses leitores, de gente apaixonada por livros, é muito importante. Além disso, pode render as indicações do boca-a-boca. Um leitor satisfeito e entusiasta do trabalho de um autor influencia muito um número grande de outros leitores. É assim que pode ser feito um trabalho de construção do nome do autor”.
O escritor e editor Raphael Draccon , em sua experiência, lembra que não existem duas histórias iguais na busca pelo “tal caminho das pedras”. E cita exemplos: “André Vianco foi demitido, pegou o dinheiro e publicou 1000 livros, indo de livraria em livraria. Eduardo Spohr aproveitou sua presença e utilizou o meio on-line. Carolina Munhóz aproveitou sua formação jornalística e foi para o meio off-line”.
No fim de contas, o fato é que a revolução digital – mesmo que não possa suprir por si só as necessidades de produção, lançamento e distribuição de um livro em rede extensa (isso é missão plausível para as grandes editoras do mercado) – já chegou para modificar o cenário: blogs, fan pagese redes de contatos podem aproximar editores e leitores dos novos autores. Em qualquer caso, no entanto – não importando se literatura “impressa” ou on-line -, o importante será a consistência do produto literário em foco. Se a qualidade for boa, o texto de um blog poderá ser “visto” e receber proposta de publicação. Poderá ganhar prêmios no Brasil ou internacionais. Poderá viabilizar a grande editora, finalmente, e “virar” livro de papel, atingir a megastore, agitar o mercado, movimentar a mídia. Poderá virar best-seller e inaugurar novos nichos de literatura… Abram alas aos novos autores!